Mundo dos declínios: do simbólico, do pai e da virilidade
Atualizado: 1 de ago. de 2019
A psicanálise pontua que o mundo contemporâneo é marcado por declínios: declínio do simbólico (referente à linguagem, à lei, à cultura e à um grande Outro que limita os sujeitos), declínio do pai e declínio da virilidade.

O declínio do simbólico enquanto um sistema que regula e limita o sujeito, acarreta num declínio da função paterna, podendo-se pensar num declínio da autoridade do pai. No cenário atual, portanto, ocorre uma declinação de toda a hierarquia das posições simbolicamente constituídas e, com o retrocesso em relação à uma ordem de imposição cultural, houve uma perda da força da inserção simbólica que vai ser refletida justamente no declínio do pai, da mãe, da família, do professor, da escola e do trabalho. Estamos, portanto, segundo as palavras de Lacan em Nota sobre o pai: diante de ‘evaporação do pai’ e de suas consequências”.
Lacan pontua que nos dias de hoje, além do declínio do pai, há um declínio do viril. E, em vista disso, pode-se dizer de uma feminização do mundo.
O que é o viril?
O viril está associado a lógica fálica, que é orientada pelo ser e pelo ter, na busca de fazer um universal, a organização de um todo fálico.
A lógica fálica pontua para dois ideais: para a mulher, de ser “A” mulher que todos homens desejam; para o homem de ter “A” mulher que todo homem desejaria. Isto é, mulheres que são e homens que têm. Implica, também, em apontar que o ideal viril é reduzir a mulher à um objeto (o objeto a).
Mas a modernidade, com novas formas de poliamor, que não são mais baseadas em binarismos (mulher x homem), evidenciou um “não-todo fálico” que faz objeção à esse universal, tentando barrar o masculino de construir sua lógica toda fálica. Assim sendo, o não-todo faz um furo no ideal viril, tentando sair do enquadramento de um gozo moldado pelos gêneros tradicionais, para mostrar que o gozo é sempre singular, sendo impossível sua universalização.
Justifica-se, portanto, o porquê do declínio do ideal viril no mundo contemporâneo, em que o resultado da queda desse ideal é a feminização que tem consequências na estruturação dos gêneros, já que o semblante dos gêneros tradicionais é algo que se declinou.
Em vista disso, um imaginário dos gêneros tradicionais passa a ser desconstruído no cenário atual, denunciando a insuficiência dos semblantes tradicionais que desestabilizam as categorias de masculino e feminino.
A queda dos ideais tradicionais de gênero também terá alterações sobre os ideias de paternidade e maternidade.
Evidencia-se, ainda, um novo termo proposto que abrange os efeitos das transformações sobre a dinâmica familiar: parentalidade. Esse termo salienta, portanto, o crescente apagamento das diferenças entre as funções da mãe e de pai, que buscam uma certa simetria.
Com isso, os laços tendem a ser menos pelas identificações e ideais, já que estes foram revisitados abrindo espaço para novas formas de tornar-se mãe e tornar-se pai, denunciando uma pluralização das referências simbólicas, que vão se fundar em experiências individuais ligadas à uma lógica de desejo e não mais à parâmetros e ideais externos.
Os declínios da atualidade evidenciam, assim sendo, que novas formas de ser e de tornar-se foram sendo pluralizadas, fazendo com que os antigos ideais fossem desprendidos para dar lugar à uma lógica não-toda e singular.
Entretanto, a falta de limitações aprisionam o sujeito, como ensinado na Édipo lacaniano, dificultando abrir espaço para um caminho desejante por aprisionar o sujeito em um lugar de gozo.
Importante refletir essas questões para pensar o lugar dos sujeitos no mundo de hoje marcado por tantas transformações, necessárias e importantes mas que, dependendo da condução, se tornam prejudiciais para o sujeito (do inconsciente).