O gozo e as repetições
A psicanálise, em última instância, coloca em jogo um metabolismo de gozo. Isto é, fazer algo com o gozo, promovendo cortes.
Mas o que é o gozo?
Imortante primeiro marcar que gozo, aqui, não é o gozo do senso comum e muito menos relacionado ao ato sexual.
O gozo é pensando como uma mais-além de prazer, ou seja, aquilo que ultrapassa o prazer chegando em um desprazer, mas um desprazer que não é suficiente para o sujeito cessar esse acontecimento, dando continuidade. Colando de outra forma, é uma causa de sofrimento, mas um sofrimento que não faz cessar essa busca e nem a repetição do gozo. Muitos dirão que é uma prazer na dor, ou um prazer no desprazer. É aquilo que, metaforicamente, começa com uma cosquinha e termina em chamas.
O gozo não é apenas sinônimo de prazer, mas também é articulado a ideia de repetição.
O gozo está relacionado ao que Lacan chamou de dimensão real, que é essa dimensão indizível e não simbolizável: algo do qual não se pode dizer sobre. E o real está no plano do infinito: é aquilo que sempre volta para o mesmo lugar, sem fim. Há um excesso, então, que é esse mais-ainda. Ou seja, vai haver uma continuação constante (mais-ainda, mais-ainda, mais-ainda…) que não para e não tem um ponto de basta.
Tendo isso posto, o gozo é aquilo que se repete na repetição.

Pode-se dizer que ele é aquilo que “te pega pelo pé”, aquilo que te faz tropeçar e mancar. Um exemplo de frase que ilustra isso é o “apesar de…”: apesar de amar muito fulano, eu a trai com ciclano; apesar de discordar disso, eu fui lá e fiz; apesar de saber que não posso, eu não dei conta de não fazer isso… entre outras inúmeros exemplos e diferentes formas de ilustração. Um outro exemplo clássico é quando uma pessoa diz “tenho dedo podre para escolher namorados(as)”. Ou seja, há algo na história dessa pessoa que está se repetindo, que a faz sofrer, mas, mesmo assim, inconscientemente a pessoa acaba trilhando o mesmo caminho: há uma dimensão de insistência. Isto é, o sujeito goza com isso.
Quando se escuta a história de um sujeito, então, não é apenas escutar a história em si, mas promover um tipo de escuta diferente que cartografa aquilo que se repete nas trilhas do paciente. Há algo do tratamento analítico, portanto, que busca metabolizar o gozo, ou seja, que busca drenar o gozo (não é simplesmente evaporar ele, pois isso é impossível), mas fazer algo com isso, proporcinando novas possibilidades.
Por isso, se diz que em última instância a análise coloca em jogo um metabolismo de gozo. Ela ajuda o sujeito a enxergar essas repetições e a promover uma saída delas, tentando fazer algo com esse gozo que o atravessa incessantemente.
Este é um assunto muito complexo e que cabe ainda inúmeras teorização à respeito, mas o que convém aqui é refletir a questão das repetições e das satisfações “estranhas” que obtemos inconscientemente em nossas vidas que, muitas vezes, nos colocam em situações desagradáveis resultando em um intenso sofrimento.
O que se repete em sua vida? Importante pensar e elaborar questões a respeito disso.