
Conheça a Psicanálise
01.
A Psicanálise e o Inconsciente
A Psicanálise é uma das áreas da saúde mental, além da Psicologia e da Psiquiatria, sendo a sua principal diferença o trabalho com o inconsciente. Apesar de ser uma teoria estudada em partes na graduação em Psicologia, ela é independente. Sendo assim, existem diferenças na formação entre um psicólogo e um psicanalista: para se tornar psicólogo requer-se uma graduação em psicologia e existem várias abordagens teóricas diferentes e, inclusive, atuações para além da clínica e do consultório; já para se tornar psicanalista é necessário uma formação constante (após uma graduação, não necessariamente de psicologia) que requer um tripé: sua própria análise, atendimentos supervisionados e aulas teóricas. O psicanalista se forma, principalmente, ao se dedicar na sua própria análise pessoal. Ser psicanalista é, além de tudo, bancar o desejo de uma análise, engajando o próprio paciente (que chamamos de analisando) na singularidade do seu processo.
Logo, a psicanálise é uma prática clínica e um método científico que tem como objeto de estudo o inconsciente, que foi descoberto por Freud quando era neurologista, uma vez que percebia que muitas doenças não tinham causas biológicas justificáveis e sim psicológicas. Mas o que é o inconsciente? Eis um lugar em nossa mente recheado de imaginário, de simbolismos da linguagem e até de um ponto real que é irrepresentável. É um lugar repleto de complexidade que influencia na forma em que agimos, pensamos e adoecemos. Apesar de muitos dos conteúdos inconscientes serem desconhecidos por nós mesmos, não se trata de um lugar obscuro e de difícil acesso, pois é algo que está na "ponta da língua", escapando nos nossos sonhos, na nossa própria linguagem e na forma de nos expressar. Pode-se dizer que o inconsciente é, portanto, uma verdade que dizemos sem perceber, sendo o estranho que habita os espaços mais familiares em nós mesmos. Sendo assim, ele está por detrás dos caminhos que escolhemos seguir, guiando a nossa vida sem nos darmos conta. Com efeito, uma análise é um processo para que o sujeito seja menos alienado da sua própria história, se responsabilizando pelos seus desejos e pelos seus atos.
02.
Como a Psicanálise atua?
A psicanálise atua pela palavra, por meio de um espaço de escuta para que o paciente possa aprender a bem dizer para melhor estar. Mas, por trabalhar o inconsciente, a psicanálise é diferente de uma terapia convencional, sendo um processo que nomeamos de análise. Nesse processo, trabalha-se não só as vivências, experiências e sentimentos que estão aparentes, como também aquilo que está por detrás de tudo isso:
• as palavras e discursos que marcam a nossa história e moldam quem somos e com quem nos identificamos;
• as soluções sintomáticas que encontramos e que nos ajudam na mesma medida em que nos adoecem;
• os modos de gozo que nos colocam em ciclos de repetição e nos paralisam pelos excessos;
• a nossa atitude frente ao nosso desejo que é o motor da nossa história, mas que pode se perder em meio de demandas que vêm do outro: o que é isso que eu quero? O que é isso que o outro quer de mim? E o que é isso que eu quero diante do que o outro quer de mim?
• as nossas idealizações e fantasias fundamentais, que nos estruturam mas também nos aprisionam em modos de ser e viver;
• a nossa relação com o real e com o mal-estar constitucional para aprendermos a saber fazer diante deles;
Entre muitas outras coisas!
Trata-se de um processo que se desenvolve em torno de uma elaboração simbólica, ajudando a amarrar como também desfazer certos nós estruturais por onde nossas questões circulam. Portanto, vai muito além de fenômenos conscientes e aparentes e o que se busca é o oposto de uma padronização do mal estar, sendo um espaço para que possa lidar com o que há de mais singular e particular em sua história.
No entanto, é importante entender que as intervenções feitas nem sempre terão um efeito de bem-estar, uma vez que têm o objetivo de implicar o paciente subjetivamente e responsabilizá-lo pelo que ocorre em sua vida. Um efeito terapêutico pode até surgir em determinados momentos, pois, por mais angustiante que possa ser trabalhar certas questões, também pode ser libertador tomar as rédeas da sua história através da elaboração de um saber sobre si próprio. Não é um processo fácil, mas pode ser uma experiência revolucionária e transformadora.
03.
Por que a Psicanálise?
Escolhi a psicanálise primeiramente após me apaixonar pela teoria, que se mostrou brilhantemente construída, lidando com o adoecimento psíquico em toda sua complexidade ao entender que há muito mais por detrás de cada sintoma, investigando de fato a raiz da questão. Também me apaixonei pelo processo de análise ao começar o meu próprio, pois vi o tanto que pode ser transformador quando nos engajamos nele. Percebo como a análise me ajuda a lidar com os meus sintomas, preservando meus laços e impulsionando o movimento do meu desejo. Sou apaixonada pela psicanálise e aposto na sua eficiência na saúde mental.
Acredito que a psicanálise pode oferecer ao paciente uma nova possibilidade de enxergar o mundo, a si mesmo e as coisas que acontecem, iluminando o seu olhar para dentro e aguçando a sua escuta interna. Dessa forma, ao reconstruir um saber sobre si mesmo, o sujeito pode se sentir no controle da sua vida para assim se desprender (na medida do possível) de queixas e funcionamentos sintomáticos que o adoeciam, como também localizar e sustentar o movimento do seu desejo. Mas caminhar nesse percurso também requer uma desconstrução de ideais inalcançáveis para n˜åo se alienar no discurso de bem estar constante e de completude insustentável. Com efeito, poderá acolher suas faltas estruturais, os limites do seu corpo e as suas próprias contradições (divisão subjetiva) – é o que chamamos de castração! Nesse sentido, pode-se dizer que a saúde mental que a psicanálise proporciona não é sobre prometer uma felicidade plena ou ausência de perturbação, mas apostar na elaboração para saber fazer diante do real da vida e dos seus próprios nós sintomáticos estruturais, reduzindo os excessos que adoecem e perturbando aquilo que perturba.
Logo, a psicanálise é uma clínica que não busca normatizar as pessoas em padrões impostos e "ditaduras de felicidade", e sim uma clínica que acolhe a singularidade de cada caso, dando um espaço para o sujeito construir um próprio saber sobre si mesmo e encontrar as suas próprias soluções; ao invés de se esconder atrás de nomeações convencionais e se iludir em soluções aparentemente mágicas. É uma clínica que também acompanha as transformações sociais, entendendo a falta-a-ser do sujeito (pois todos nós temos faltas impossíveis de serem preenchidas) e buscando inseri-lo no discurso do inconsciente, sem dar respostas fantasiosas que tentam tudo resolver e que alienam o sujeito da sua própria realidade. Temos que dar lugar ao discurso psicanalítico, do saber autêntico, que opera no lugar da verdade. A psicanálise, como disse Lacan em suas conferências em universidades americanas, é a última flor da medicina e, orientada pela contingência, aproxima-se da arte. Daremos-ei lugar à arte do insconsciente: aquela que não permite que o sujeito permaneça alienado de si próprio.
A Psicanálise está Ultrapassada?
Essa é uma pergunta que muitas pessoas acabam fazendo. A psicanálise é uma teoria que desde seu nascimento, com Freud, sofreu inúmeros preconceitos, uma vez que ela trabalha o inconsciente, algo tão abstrato, impossível de ser medido ou comprovado pela ciência clássica. Sem contar com o estranhamento que causou nas pessoas por abordar temas tão recalcados em nós e que tocam o nosso trauma e, por isso, tanta resistência. O mundo de hoje contribui com mais preconceitos ainda, pois é um mundo imediatista e, assim sendo, as pessoas também são imediatistas: elas querem respostas rápidas que resolvam os seus problemas. Se pensarmos por esse lado, a psicanálise é avessa a essa lógica contemporânea. Mas o que muitas pessoas compram em busca de soluções rápidas são ilusões, porque não tem como tudo saber e tudo responder. A psicanálise não está alheia à isso, portanto é uma prática clínica que realmente demora mais e, então, vai depender do tempo do próprio sujeito: do que ele vai trazendo e do que ele dá conta de falar para ir elaborando pouco a pouco. Mesmo assim, é raro com tantas opções hoje de tratamento, que possuem ofertas mais sedutoras, as pessoas escolherem bancar o desejo de uma análise, que é um processo por vezes angustiante. Difícil ir na contramão de uma lógica de mercado que quer oferecer ao sujeito aquilo que lhe falta, criando uma demanda vorás para consumir o que lhe parece completar, todavia, o que a psicanálise nos mostra é que isso é impossível e insustentável, então ela frustrará essa demanda!
Além disso, infelizmente ainda existem muitas práticas que se dizem psicanalíticas e contribuem com o preconceito. Importante pontuar que a posição do analista não deve ser confundida com um semblante rígido, fechado e sério. Muitos psicanalistas se perdem nesse imaginário e dificultam a expressão do sujeito, causando um afastamento do mesmo. Uma das condições para que o paciente deseje se engajar no processo costuma ser a postura do analista que confere, principalmente de início, uma abertura, um acolhimento e uma presença: com falas, perguntas, pontuações e interações. Após o vínculo transferencial ser constituído, aí sim o processo pode ir evoluindo para um lugar onde o sujeito se coloque mais a falar e o analista mais a escutar, só que esse processo pode ser facilitado ao invés de dificultado. Importante termos em mente, portanto, que a psicanálise não está ultrapassada, e sim uma postura enrijecida frente à ela.
É preciso, pois, informar: a psicanálise não está desatualizada, ela é estudada na subjetividade do nosso tempo, continuando a fazer reformulações teóricas e clínicas. Os estudos teóricos são constantes, havendo seminários mundiais para discutir e analisar os fenômenos sociais e seus efeitos, como também diversas publicações científicas, pesquisas, livros e até grupos de estudos (chamados de cartéis) que são conduzidos nas escolas de psicanálise pelo mundo. A sustentação da psicanálise é respaldada, pois, em um compromisso ético contínuo com a atualidade.
04.
Frases para Refletir
"Sou aonde não penso" (LACAN)
"A voz do inconsciente é sutil, mas ela não descansa até ser ouvida" (FREUD)
"Até você se tornar consciente, o inconsciente vai dirigir sua vida e você irá chamar-lo de destino" (JUNG)
"A psicanálise não é uma prática de relaxamento, adormecimento, harmonização: é uma prática do despertar. A gente deita no divã para não dormir na vida" (PFEIL)
"A psicanálise pode ser tudo, menos complacente com nosso profundo desejo de iludirmos a nós mesmos" (MEZAN)